voz.amazonica@yahoo.com

viernes, 8 de junio de 2012

A Palavra de Deus é vida, se faz vida e dá vida na Amazônia

Por: Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ *


Tema: Amazônia: importância, desafios e missão
Lema: A Pan- Amazônia geme em dores de parto (cf. Rm 8,22).



Introdução:

Minha participação neste painel traz as marcas de nossa Assembleia da CRB de Belém.
    Temos a imagem da Pietá, mas da Pietá Amazônica. Em seus braços está o filho, que não está morto, está sim em profunda dor, agonizando.
    Como o Filho, a  Amazônia  está agonizando, gemendo de dor! Ela também ainda não está  morta, está em agonia, gemendo de dor, uma dor gerada pelas moto-serras, pela derrubada das árvores, pelas queimadas.
        Contemplemos:
 - Os rios: Um rio está limpo, fluindo bem; outro está bloqueado pelas árvores jogadas nele.
  - As árvores: a idade significativa das árvores,  expressa nos anéis (vejam os anéis!) .
  - O corpo do filho, bem conectado com as árvores cortadas...sobre ele perpassam  raios de luz, o Espírito que sustenta a vida.
 - A mulher, a mãe natureza, é a Mãe da Palavra que geme em dores de parto, mas que  está resistindo a tudo que a machuca e  mata.
      Porém:
- perante toda degradação da criação,  ainda resta o verde, a água...
- pode nascer algo bom na dor: a plantinha que esta nascendo no tronco da árvore e do manto da mulher
- O espírito, a esperança, a resistência fará com que os gemidos das dores de parto resultarão em mais vida na Amazônia.
    A contemplação desta obra nos dá o enfoque bíblico ao Tema: Amazônia: importância, desafios e missão e ao Lema: A Pan- Amazônia geme em dores de parto (cf. Rm 8,22).

1                   Experiências de vivências e serviços à Palavra
a)                 Narrado por um pescador que participa das escolas bíblicas em Santarém, PA, às quais presto assessoria: Uma comunidade, sentindo que a pesca já se tornava mais difícil, à luz da Palavra de Deus, se perguntava se o modo como estavam trabalhando e vivendo era sustentável, se era o melhor para a preservação daqueles bens que Deus lhes tinha concedido: rios, lagos, igapós, peixes e outros animais.... Então, depois de várias reuniões e de reflexão sobre a realidade do lugar, à  luz da Palavra de Deus encontraram uma alternativa: Vamos deixar o lago do Socoró descansar por um tempo!  Enquanto o lago descansa, pescaremos no rio e em outros lugares da nossa comunidade. Montaram uma vigilância de dia e de noite para que nenhuma pessoa invadisse aquele lugar. Passados três anos e o tempo da desova daquele ano, as famílias fizeram uma primeira pesca, tendo como critério soltar todos os peixes com menos de dois quilos e meio. No primeiro dia as 30 famílias pescaram 5 toneladas de peixe.  Ao final de 10 dias pescaram 50 toneladas somente naquele lago!
b)                 Num curso bíblico para lideranças, em Santarém, relendo Gênesis, capítulos 02 e 03, a narrativa da criação e do pecado, os participantes atualizaram os textos dizendo que Deus criou o paraíso chamado Amazônia, pôs nele os homens e as mulheres que também andavam nus e passeavam com Deus nas florestas à brisa da tarde. Aos poucos foram chegando serpentes que seduziram as pessoas e fizeram com que fossem expulsas do paraíso. Estas serpentes são a Cargil, o Latifúndio, o Agronegócio, as Mineradoras.
Assim a Palavra de Deus está presente em nossa AMAZÔNIA que geme em dores de parto.   
2.      A Natureza como lugar do encontro com Deus
        A criação é o primeiro livro que Deus escreveu e, aqui no bioma Amazônico, este livro fala por si mesmo.  Basta olhar o céu, as águas, as plantas, os animais, os minerais, as pessoas. No documento de Aparecida, encontramos a afirmação: “A Bíblia mostra reiteradamente que, quando Deus criou o mundo com sua palavra e com o alento de sua boca, expressou satisfação dizendo: “que era bom” (Gn 1,21), e quando criou o ser humano, homem e mulher, disse que “era muito bom” (Gn 1,31). Certamente quando criou a Amazônia, esta reserva especial de vida, ficou muito satisfeito e viu que havia construído a sua principal morada.
      Na cultura amazônica, o território é o espaço da vida, é casa, é berço, é útero gerador, é também morada final. Águas, terras, árvores, pássaros e animais fazem parte de uma realidade sagrada.  São sinais da presença do Criador e de sua ação amorosa com a qual estamos em permanente contato e convivência. 
      O ser humano participa desse mistério de vida. Recebe vida de cada elemento e com cada elemento compartilha a vida. Essa visão holística é fundamental para que possamos viver o mistério da vida e viver em harmonia neste chão. Sem essa visão sagrada vão prevalecer os projetos da exploração dos recursos naturais e humanos, em vista do lucro de alguns, numa agressão blasfema ao Meio Ambiente.
      Outro elemento importante diz respeito às relações de reciprocidade, não de submissão, de participação, não de domínio. Esse modo de encarar a natureza faz assumir a terra como relação de convivência, de trabalho, de sobrevivência e não de propriedade onde se crê poder fazer o que se quer, como um direito inquestionável  de posse. A terra não pode ser prostituída de acordo com os interesses de produção, de comercialização, de lucro. Se perdermos esse equilíbrio e esse horizonte, como fica a criação como dom de Deus e como fica a vida dos pobres?

3.      A Palavra de DEUS é criadora
    O relato de Gn 1 é um testemunho da força criadora da Palavra. A criação leva a marca do Criador e deseja ser libertada e “participar na gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8,21) (DAp 27). “A vossa Palavra poderosa criou tudo” (Sab 9,1). Essa Palavra, na plenitude dos tempos, veio habitar entre nós, é uma pessoa pobre, missionária, que entregou sua vida por amor.
     Como discípulos e discípulas de Jesus, sentimo-nos convidados/as a dar graças pelo dom da criação, reflexo da sabedoria e da beleza do Logos criador. No desígnio maravilhoso de Deus, o homem e a mulher são convocados a viver em comunhão com Ele, em comunhão entre si e com toda a criação. O Deus da vida encomendou ao ser humano sua obra criadora para que “a cultivasse e a guardasse (Gn 2,15).
     Jesus conhecia bem a preocupação do Pai pelas criaturas que ele alimenta (cf. Lc 12,24) e embeleza (cf. Lc 12,27). E, enquanto andava pelos caminhos de sua terra, não só se detinha para contemplar a beleza da natureza, mas também convidava seus discípulos e discípulas  a reconhecerem a mensagem escondida nas coisas (cf. Lc 12,24-27; Jo 4,35). As criaturas do Pai dão glórias a Deus “com sua existência” e por isso o ser humano deve fazer uso da  criação com cuidado e delicadeza (DAp 470).

4 - Ameaças à Criação
    A criação tão bela e tão cheia de significado, nossa Amazônia, tão exuberante e fascinante, sofre ameaças que vão crescendo à medida em que avança a expansão da conquista por novas terras e novos Projetos. São ações humanas que desumanizam e destroem a criação. E agora o que vemos? A Pan- Amazônia geme em dores de parto
Vamos ler o texto inspirador de nosso lema (Rm 8,18-27):
Penso, com efeito, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós. Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De fato a criação foi submetida à vaidade – não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu – na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente. E não somente ela. Mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente, suspirando pela redenção do nosso corpo. Pois nossa salvação é objeto de esperança; e ver o que se espera não é esperar. Acaso alguém espera o que? E se esperamos o que não vemos, é na esperança que aguardamos. Assim também o Espírito socorre nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis, e aquele que perscruta os corações sabe qual é o desejo do Espírito; pois, é segundo Deus que ele intercede pelos santos”
      Paulo parece que não escuta mais o refrão e “tudo era bom!” Escuta a criação gemer, escuta o gemido da humanidade. Gemidos provocados pela estrutura de pecado de então, certamente muito conhecida na realidade romana de seu tempo.  Os gemidos vêm da dor causada pelas opções que se fazem, pela apropriação indébita da obra saída das mãos do criador, pela ação humana no âmbito da criação: o ser humano, em sua liberdade, em sua ganância desmedida, escolheu o caminho da escravidão, da destruição, da morte.  As forças de morte colocaram a humanidade e a natureza sob a escravidão.
      A partir desta idéia, Paulo olha o mundo, e o que vê? Vê a natureza gemendo, ansiando pela libertação, que somente lhe virá a partir da libertação de cada ser humano. Escuta também o gemido de uma humanidade que quer se libertar, mas não sabe como. Em socorro vem o Espírito gemendo e fazendo seu o gemido do universo e da humanidade. Há uma comunhão, uma solidariedade nestes gemidos.  São gritos de dores de parto, com esperança de vida. Estes gritos são animados pelo Espírito que os fará capazes de gerar a nova criação.
      Contemplemos mais uma vez a imagem de nosso banner. O filho agoniza, e está no ventre da mulher. Quer gerar a nova criação. O Espírito vem em socorro, expresso nos raios de luzes que transpassam o corpo do filho e da criação destruída.
      Deixemo-nos levar pelo Espírito que une seu gemido ao nosso. Deixemo-nos conduzir pelo Espírito, que faz seu o nosso gemido e o da natureza. Vamos permitir que o mesmo Espírito nos leve ao encontro das pessoas, cristãs e não cristãs, que já estão, há anos, gemendo e buscando a vida plena. Deixemos que o Espírito faça penetrar em nós o gemido da natureza que anseia por libertação. Assim, o universo libertado, será a oikos, casa comum de todos os seres vivos no meio da qual a Divindade armou sua tenda.

5.      Caminhos que nascem da Palavra acolhida e vivenciada
      A Palavra Sagrada nos convida a continuar trabalhando com empenho a fim de que sejamos testemunhas daquele que derramou o seu sangue para a libertação do mundo.  Fazendo a experiência do encontro com Jesus, Verbo Encarnado e Ressuscitado, vamos contribuir para uma nova visão da vida na Amazônia que implica um novo (ou o mais antigo) modo de ver e conceber o território e o ambiente, a natureza, as relações, a propriedade, a produção.
       Junto com os povos originários da Amazônia, louvamos ao Senhor que criou o universo como espaço para a vida e a convivência de todos seus filhos e filhas e deixou como sinal de sua bondade e de sua beleza. A criação é manifestação do amor providente de Deus. Foi-nos entregue para que cuidemos dela e a transformemos em fonte de vida digna para todos. Ainda que hoje haja já uma maior sensibilidade para com a natureza, percebemos claramente o quanto a criatura humana ameaça e destrói seu ‘habitat’. “A nossa irmã e mãe terra” é nossa casa comum e é lugar da aliança de Deus com os seres humanos e com toda a criação. Descuidar das inter-relações, da conexão e do equilíbrio que o próprio Deus estabeleceu entre as realidades criadas é uma ofensa ao Criador, um atentado contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a vida. O discípulo e missionário, a quem Deus encarregou de cuidar da criação, deve contemplá-la, cuidar dela e utilizá-la, respeitando sempre a ordem dada pelo Criador (DAp 125).
Concluindo, a partir do doc. de Aparecida e de experiências, podemos  indicar alguns caminhos:
a)                 Acolher e vivenciar a Palavra de Deus de tal modo que o Mistério da Encarnação e da Páscoa de Jesus Cristo sejam força que dêem sentido à nossa vida e à missão que dele recebemos, para viver o seu seguimento aqui na Amazônia.
b)                 Ajudar nossos povos e comunidades a descobrirem e preservarem o dom da criação, sabendo contemplá-la e cuidar dela como casa de todos os seres vivos e matriz da vida do planeta, exercitando responsavelmente o senhorio humano sobre a terra e sobre os recursos, privilegiando um estilo de vida de sobriedade e austeridade solidárias.
c)                  Intensificar e aprofundar a presença religiosa pastoral nas populações mais frágeis e ameaçadas pelo desenvolvimento predatório e apoiá-las em seus esforços para conseguir uma eqüitativa distribuição da terra, da água e dos espaços urbanos.
d)                 Procurar um modelo de desenvolvimento alternativo integral e solidário, baseado em uma ética que inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, fundada no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal dos bens, superando a lógica utilitarista e individualista, sem critérios éticos.
e)                 Empenhar nossos esforços na promulgação de políticas públicas e participações cidadãs que garantam a proteção, conservação e restauração da natureza.
f)                    Alertar quem mora na Amazônia, a partir do lugar onde residimos e trabalhamos, para a nossa parcela de responsabilidade na defesa da Amazônia com seus povos e sua bio-diversidade. Não podemos nos esquecer da grande responsabilidade do governo brasileiro perante os países da grande bacia amazônica e os países do mundo.
A Pan Amazônia geme....
- .... o ruído ensurdecedor das moto-serras... das serrarias
- ... as lágrimas vertidas em cada árvore que tomba
- ..... o ruído leve e rasgante do terçado
- ....o forte rugido dos motores das geleiras, das balsas, dos caminhões
- ... o inaudível gemido dos rios
- ... o burburinho constante e crescente dos centros urbanos
- .... o gemido da... onça que não ouvimos mais
- .... o silencioso sussurro dos pássaros
- .... os peixes que quase não mais singram pelas águas
- .... a contaminação do perfume das flores
- .... o grito ensurdecedor das mineradoras e das barragens
- .... o choro das mães e o lamento dos pais
-.... a raiva surda e silenciosa do agricultor... do operário...da doméstica
-..... o silêncio da flauta do indígena
A Pan Amazônia geme...

* Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ. Reflexão Bíblica aprentada no I Seminario de Amazônia organizado pela CLAR - Manaus, 8 de outubro de 2011